F1: Saiba detalhes sobre polêmica coluna de direção da Williams guiada por Senna em Ímola 1994

31 anos depois, eventos do fim de semana do GP de San Marino de 1994 ainda têm poder de chocar. Este trecho do livro Senna: As Verdades, de Franco Nugnes, apresenta visão de especialistas cujos depoimentos foram ouvidos no julgamento criminal que se seguiu

Ayrton Senna's Williams FW16 Renault

É uma peculiaridade da lei italiana que, se ocorrer uma fatalidade, mesmo em uma pista de corrida, alguém deve ser responsabilizado. As trágicas mortes de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna durante o fim de semana do GP de San Marino de 1994 repercutiram pelo mundo e colocaram foco intenso sobre a Fórmula 1.

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Embora o acidente de Ratzenberger tenha sido claramente causado por uma falha na asa dianteira, o de Senna tornou-se objeto de especulação frenética. Enquanto a FIA buscava lições das fatalidades que pudessem ser traduzidas em melhorias efetivas de segurança, a máquina jurídica italiana entrou em ação e um julgamento criminal foi iniciado.

O caso do promotor público Maurizio Passerini se concentrou em estabelecer que um cisalhamento na coluna de direção do FW16 de Senna o fez sair do circuito na curva Tamburello e bater no muro. Passerini nomeou o Professor Enrico Lorenzini, Reitor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Bolonha, como perito.

Lorenzini ordenou que a coluna fosse analisada por duas equipes de especialistas de diferentes instituições para que os resultados pudessem ser comparados e correlacionados.

Uma parte da investigação foi confiada à Divisão de Pesquisa e Experimentos da Força Aérea, sediada em Pratica di Mare, e a outra ao Laboratório de Metalurgia e Química Industrial da Universidade de Bolonha. Ambas as equipes utilizaram uma varredura com microscópio eletrônico (MEV), a ferramenta mais avançada da época.

Trinta anos depois, conseguimos contatar Gian Paolo Cammarota e Angelo Casagrande, os dois professores da Universidade de Bolonha que realizaram essas análises. Eles permaneceram amigos e ainda se encontram ocasionalmente.

Cammarota, nascido em 1936 em Milão, agora aposentado, divide seu tempo entre Bolonha, Veneza e a Alemanha. Homem esguio e reservado, ele pondera cada palavra com cuidado.

Embora a especialidade de Cammarota fosse Química Industrial, Casagrande, bolonhês, ainda faz parte do corpo docente da Faculdade de Metalurgia.

“Estamos descontinuando o MEV – existem sistemas investigativos mais modernos e avançados –, mas o microscópio eletrônico nos deu respostas claras e incontestáveis ​​no caso Senna”, disse Casagrande.

No projeto original do FW16 da Williams, a coluna de direção era um tubo metálico de peça única, medindo 910,2 mm de comprimento, da conexão com a caixa de direção até o cubo do volante. A uma distância de 685,5 mm da extremidade inferior (caixa de direção), a coluna era fixada ao chassi por meio de um suporte de liga de alumínio com uma bucha autolubrificante feita de material semelhante ao Teflon, deixando a parte restante – 224,7 mm de comprimento – como um cantilever.

Senna reclamou com a equipe sobre o desconforto no cockpit: ele queria que a coluna de direção fosse rebaixada para melhorar sua posição de pilotagem e porque, ao usar seu design de volante preferido, seus dedos roçavam na parte superior do chassi, com resultados dolorosos. Não foi uma tarefa simples, pois os regulamentos exigiam que, após a remoção do volante, houvesse espaço suficiente na área do cockpit para a passagem de um gabarito (uma armação) de 250 x 250 mm, conforme as regras da FIA de 1994.

Para atender aos desejos de Senna, Adrian Newey – então projetista-chefe da Williams – ordenou ao escritório de projetos que abaixasse a coluna de direção em 2 mm. Quando se constatou que isso prendia o gabarito FIA, a melhor solução foi reduzir o diâmetro da coluna em 4 mm nessa área.

“Reduzir o diâmetro do tubo foi um grande erro de projeto”, disse Cammarota. “As análises das propriedades químicas e mecânicas das peças não foram consistentes – elas mostraram claramente o uso de dois materiais diferentes.”

A coluna modificada foi dividida em três partes, duas feitas de aço T45, com diâmetros externos de 22,225 mm e espessura de parede de 0,9 mm, e uma seção intermediária de aço EN14 com 18 mm de diâmetro externo e espessura de parede de 1,2 mm. Essas peças foram soldadas.

Franco Nugnes: Quais testes vocês realizaram?

Gian Paolo Cammarota: Realizamos uma análise metalográfica superficial, depois ensaios de rugosidade interna e externa e um exame fractográfico. A análise química foi confiada à Cermet.

No relatório pericial apresentado ao tribunal pelo Professor Lorenzini, lê-se: “Em termos gerais, deve-se dizer que a coluna de direção de três peças é indicativa de uma modificação mal projetada, pois a espessura da seção precisamente no ponto de tensão máxima, a mudança abrupta na seção transversal com um raio de filete excessivamente pequeno e os arranhões causados ​​pelos processos mecânicos de perfuração e torneamento contribuem para criar uma situação estruturalmente crítica, com o consequente alto risco de falha sob condições estáticas”.

Cargas e fadiga

Aliás, nas superfícies externa e interna da junta, imediatamente abaixo da superfície de ruptura, podem ser observadas marcas circunferenciais pronunciadas de ferramentas de usinagem, de modo que as superfícies externa e interna do tubo apresentam um acabamento superficial inadequado para componentes operando sob fadiga em condições experimentais extremas.

FN: Poderia ter ocorrido erro humano durante a soldagem?

GPC: Descarto essa possibilidade. Mostrei nossas imagens ao Professor Horst Herold, da Universidade de Magdeburg, um dos principais especialistas na área, e ele me garantiu que as soldas estavam perfeitas. O problema residia inteiramente na redução da seção transversal do tubo, precisamente no ponto onde a tensão era máxima.

FN: Então, por que a coluna de direção falhou?

Angelo Casagrande: Ela já estava danificada antes do início do GP. Em suma, havia uma rachadura [em metalurgia, uma fissura fina e frequentemente profunda que precede uma ruptura] que estava progredindo e se formou antes da corrida em que Senna perdeu a vida. A presença de oxidação não nos permitiu determinar exatamente quando o fenômeno de fadiga começou, mas foi o suficiente para entendermos o que havia acontecido.

FN: Na F1, geralmente são escolhidos os melhores materiais disponíveis – o que poderia ter dado errado?

AC: Fizeram uma modificação não planejada. As dimensões do eixo e da seção do cantilever eram tais que, mesmo com um supermaterial, poderia ter durado, no máximo, mais uma corrida. Então, teria falhado se não fosse substituído, porque não suportaria as tensões. Não adianta culpar o material: esse foi um fator agravante, mas, dadas as dimensões e as características estruturais do componente, aquele metal não poderia ter se saído muito melhor.

FN: Por quanto tempo vocês ficaram com a coluna de direção?

GPC: Menos de uma semana, depois a devolvemos. Tempo suficiente para realizar os exames. O engenheiro Danesi esteve sempre presente durante a análise, representando a Williams.

A princípio, a equipe britânica não quis saber de fadiga, mas imediatamente vimos a falha e tivemos que avaliar quanto do tubo havia quebrado devido à fadiga e quanto devido ao rasgo.

FN: A investigação também incluiu testes de rugosidade...

GPC: Rugosidade é a relação entre a base de uma ranhura e a superfície. Se o valor for alto, corre-se o risco de problemas sérios.

Na indústria aeroespacial, todas as superfícies devem ser polidas até um acabamento espelhado. Não deve haver estrias que possam concentrar tensões e se tornar o ponto de partida para alterações na superfície quando o limite de fadiga do material for excedido.

Nessa coluna, houve apenas polimento parcial na parte externa – deveria ter sido polido com acabamento espelhado – e, internamente, nada havia sido feito. A rachadura definitivamente começou de dentro para fora, provavelmente já durante o treinamento.

Havia três seções no tubo: uma apresentava fadiga; a seção do meio apresentava uma mistura de fadiga e fratura dúctil, o que é esperado quando o material é muito tenaz; e na terceira, a seção final, havia evidências claras de uma fratura catastrófica causada pelo impacto com o muro.

FN: A equipe removeu camadas de fibra de carbono e cortou parte do revestimento do chassi. Essas intervenções reduziram a rigidez do monocoque e poderiam ter contribuído para o início das fraturas na coluna de direção?

GPC: É possível, mas essa questão não foi abordada no julgamento. Pode ter havido uma aceleração na propagação da rachadura – precisaríamos saber precisamente quando ela começou.

O julgamento criminal foi abrangente, acusando Frank Williams, Patrick Head e Adrian Newey de homicídio culposo, e o organizador da corrida Roland Bruynseraede, da FIA, Federico Bendinelli, e o gerente da pista de Ímola, Giorgio Poggi, de homicídio culposo. À medida que o julgamento avançava, Passerini decidiu retirar as acusações contra Williams, Bruynseraede, Bendinelli e Poggi, concentrando sua atenção em Head e Newey.

Assim que tomou posse da coluna de direção e reconheceu a rachadura por fadiga, a Williams construiu um equipamento de teste para determinar se a coluna era forte o suficiente para transmitir comandos de direção com o torque necessário para uma condução normal, mesmo em um estado enfraquecido. Suas descobertas sugeriram que esse era o caso.

As imagens da TV mostraram claramente a traseira do carro de Senna saindo da pista pouco antes de seu carro sair da pista, o que não era consistente com o argumento da promotoria de que a direção havia falhado e feito o carro seguir em linha reta. Era impossível provar se a falha foi a causa ou o efeito do acidente – então, Head e Newey foram absolvidos e uma tentativa subsequente de apelar da decisão fracassou.

As lições de Ímola não apenas influenciaram o projeto de segurança em andamento da FIA, como também afetaram o processo de design do carro. A Williams, por exemplo, introduziu um sistema pelo qual componentes críticos para a segurança só podiam ser aprovados para produção após os projetos terem sido assinados por um engenheiro de estresse experiente.

"Independentemente se coluna de direção causou o acidente ou não”, escreveu Newey em sua autobiografia, “não há como escapar do fato de que foi uma peça de design ruim que nunca deveria ter sido permitida no carro”.

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Stuart Codling
Fórmula 1
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