Entrevista

ENTREVISTA EXCLUSIVA: Bortoleto relembra caminho para F1, projeta longo prazo e explica “ausência” de Senna em capacete

Ele deixou o Brasil aos 12 anos com a esperança de realizar seu sonho, agora concretizado como o primeiro piloto país em tempo integral desde 2017, ele tem grandes planos, inspirando-se em um dos maiores ícones da história

Gabriel Bortoleto, Sauber

Ele se mudou para a Europa há menos de 10 anos para perseguir seu sonho de se tornar um piloto de Fórmula 1, e conquistou este objetivo com estilo. Gabriel Bortoleto tem um pedigree especial, com sua carreira júnior incluindo títulos consecutivos na F3 e F2 – algo que só Charles Leclerc, George Russell e Oscar Piastri podem se gabar.

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Ele é agora o primeiro brasileiro com uma vaga regular no grid da F1 desde que Felipe Massa deixou a F1 em 2017. Conversamos com um dos estreantes da F1 de 2025 para falar sobre sua trajetória, e sobre um piloto que ele considera seu ídolo: Ayrton Senna.

Gabriel, como foi se mudar do Brasil para um continente diferente quando você tinha apenas 12 anos?

Bem, obviamente foi um risco. Mas quando você tem 12 anos e tem um sonho, você nem pensa nisso. Para mim, para ser sincero, foi fácil. Eu queria correr de kart nos melhores campeonatos – e o kart europeu era o melhor lugar para isso. Então, o que você prefere? Ir para a escola todos os dias no Brasil ou correr na Europa? É bem diferente! Obviamente, brincadeiras à parte, estar longe da família nunca é fácil, mas eu só sofri durante o primeiro ano. Me acostumei com a nova vida muito rápido.

Você se mudou junto com seu treinador, Francesco di Mauro?

Sim, ele foi meu treinador, exatamente. E ele era como da família. Ele é como um segundo pai para mim, mesmo agora. Ele sempre foi ótimo comigo. No começo, éramos só eu e ele – nós dois morando na mesma casa, cozinhando juntos, lavando roupa, aprendendo muitas coisas novas. Porque no Brasil, tudo isso era cuidado por mim, e por ele também, pela esposa dele – e aqui tínhamos que cuidar de tudo sozinhos.

Foi um período incrível na minha vida, um período em que também me tornei muito mais responsável e maduro. Mais tarde, a família dele também se mudou. Mas sim, acho que aquele momento foi muito importante para mim.

Para ele, também deve ter sido uma decisão difícil, se afastar da família para te ajudar na Europa.

Liguei para ele logo depois de assinar meu contrato de F1 – antes mesmo de ser anunciado. Eu queria falar com ele, obviamente. Tivemos uma conversa muito profunda, porque muitas coisas passaram pela minha cabeça naquele momento em que realizei o sonho. Eu finalmente estava onde queria estar – e esse também era o sonho dele.

Perguntei a ele durante aquela ligação: "Por que você fez isso?" Porque para fazer algo assim, você tem que acreditar. Acho que ele simplesmente me amava, e eu o amava muito. Eu também era como um filho dele – e ele confiava que eu poderia alcançar algo grande.

Sinceramente, toda vez que penso nisso, vejo como essa mudança foi uma loucura para ele – provavelmente até mais do que para mim. E sou muito grato a ele.

O filho dele, Gaetano, é piloto, certo?

Ele é um ótimo piloto. Ele correu na Fórmula 3 Britânica [quando ainda era BRDC F4] naquela época e era muito, muito bom. Mas, por questões financeiras, ele não conseguiu continuar na Europa, então voltou ao Brasil e se tornou piloto profissional.

Ele é um dos caras top de lá – e, na verdade, eu queria que ele fosse meu treinador, porque ele era muito bom. Pedi ao meu pai para conversar com ele, para ver se ele poderia trabalhar comigo. Acho que eu tinha uns oito anos na época.

Então, um dia, cheguei à pista esperando que o Gaetano viesse me ensinar, mas, em vez disso, era o Francesco. E ele disse: "Não se preocupe, fui eu quem o ensinou." E era verdade. Foi assim que começamos a trabalhar juntos – e acho que foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido.

Como o kart europeu te tratou?

Acho que tivemos sorte de encontrar uma boa equipe. Porque há muita política no kart. Pode ser um pouco sujo também. Você consegue um motor melhor aqui e ali, há muito dinheiro envolvido, mas meu pai nunca nos deixaria jogar sujo.

Tive sorte de encontrar a CRG, uma das principais fabricantes. Me aproximei muito do [Giancarlo] Tinini, o proprietário e fundador, e ele me acolheu como um pequeno projeto para sua marca. Então, fiz toda a minha carreira com eles – dos 12 aos 16 anos, mais ou menos. Ele confiou em mim e me deu o melhor material disponível. Mesmo que não fosse o melhor no geral, foi o melhor que conseguimos, e conquistamos grandes feitos.

Eu diria que minha carreira no kart foi um sucesso. Não fui campeão mundial, mas fiquei entre os três primeiros no Campeonato Europeu, fui vice-campeão no WSK. Tivemos bons resultados.

Então, Gabriel, para ser franco, você não parecia um superstar quando mudou para os monopostos. Mas você deu um grande passo quando chegou à F3. Por quê?

Para ser sincero, não quero entrar em muita polêmica aqui, mas deixe-me dizer o seguinte: F3 e F2 são muito mais profissionais do que as categorias inferiores. A Fórmula 4 e a Fórmula Regional Europeia são bons campeonatos, mas não acho que tenham o mesmo controle sobre motores e carros – e às vezes há uma grande diferença entre eles.

Não estou dizendo que as pessoas querem dar vantagens a certos pilotos, é só que a categoria não consegue administrar isso tão rigorosamente. E embora eu não goste da palavra, eu diria que não tive tanta sorte nesse aspecto – em conseguir bons motores na F4 e na FRECA. Mas sempre que mudava de equipe no meio da temporada, melhorava imediatamente, conquistando pódios e vitórias.

O quanto ajudou assinar com a A14 Management?

Muito. Eu queria assinar com a Trident na F3, mas meus resultados não foram tão bons. Fiquei em sexto na FRECA – e com isso, não há garantia de que se consiga uma boa vaga na F3. Sem eles, eu nunca teria conseguido. Mas eles tinham bons contatos, e são sempre as pessoas que decidem. Giacomo [Ricci, chefe de equipe] confiava neles. Ele se arriscou.

Lembro que jantamos e conversamos sobre estatísticas. Ele disse que conseguia ver nos números a diferença que os motores faziam na FRECA – ele sabia dessas coisas e era piloto de corrida. Ele viu que eu terminava a maioria das corridas e levava o carro para casa. Quando eu tinha um carro para o quarto lugar, terminava em quarto. Se o carro só servia para o sexto, eu era sexto.

E ele me disse: "Se você entrar no nosso carro na F3 e tiver o mesmo desempenho de antes, poderá lutar pelo título". E foi exatamente isso que aconteceu. Ele estava certo.

Mesmo antes do nosso primeiro teste, sabíamos que tínhamos algo. Depois, vencemos a primeira corrida no Bahrein e depois em Melbourne. Lembro-me de ter um piloto do meu segundo ano no meu DRS durante toda a corrida, e eu o mantive limpo, sem erros – levei tudo para casa. Foi nesse momento que pensei: "Acho que estou pronto para vencer este campeonato".

A mudança para a Invicta Racing na F2 também foi crucial...

Tenho um treinador de pilotos, Roberto Streit, com quem ainda trabalho. Ele é muito bom, foi uma das estrelas no Brasil e até testou na F1. E juntos somos muito orientados por dados. Sabemos quem eu sou como piloto, que tipo de carro eu gosto – e logo no início, vimos que a Invicta, que era a Virtuosi na época, tinha um carro que eu poderia gostar. Eles sempre foram fortes. Talvez não tenha conquistado o título, mas sempre em segundo ou terceiro.

Quando assistíamos aos testes de desempenho deles, podíamos ver que o carro combinava com o meu estilo. E o sentimento era mútuo. Quando comecei forte na F3, já tínhamos conversado bastante. No final, tudo deu certo – e quando mudei para a F2, eu sabia que a filosofia de acerto deles me atenderia. Eles adaptaram as coisas para mim também, e funcionou muito bem.

Você agora está na F1, parte de um projeto de longo prazo com a Audi. Isso reduz a pressão no seu primeiro ano? Ao contrário de alguns dos seus colegas novatos, você não precisa ter um bom desempenho aqui e agora. Todos entendem que você pode aprender e melhorar.

Bem, é obviamente melhor do que ter um contrato de um ano, certo? Mas isso não tira o fato de que eu quero provar meu valor – para mim mesmo. É assim que sempre fui. Mesmo com um contrato de longo prazo, não me sinto mais confortável nem nada parecido. Se eu não tiver um bom desempenho, o contrato não importa. Sabemos onde estamos como equipe agora e onde queremos estar daqui a alguns anos. Isso me deixa feliz.

Mais do que o contrato em si, é o projeto. Queremos ser candidatos ao título. Queremos vencer corridas e alcançar grandes feitos. Isso me motiva.

Você nasceu em 2004 – uma década inteira depois de 1994. Mas você fala de Ayrton Senna com verdadeira admiração. Como assim, se nunca o viu correr ao vivo?

Acho que, se você perguntar a qualquer piloto no grid, quase todos diriam que Senna foi o melhor de todos os tempos. Claro, Michael Schumacher e Lewis Hamilton ganharam mais títulos, e não quero tirar nada deles – mas, para mim, crescendo como brasileiro, me tornei um admirador de Senna não apenas pelo que ele fez nas pistas, mas por quem ele era e pelo que fez pelo Brasil, e ainda faz.

Meu pai costumava me dizer que, apesar da situação política e econômica do país – com tanta pobreza – Senna era aquele que despertava todos. Pessoas de todas as origens, ricas ou pobres, o assistiam correr e o ouviam falar. A maneira como ele representava o Brasil era algo grandioso.

Então, quando você cresce ouvindo essas histórias, vendo-o na TV, lendo sobre ele, você se torna um fã. O legado dele nunca morreu. O Instituto Ayrton Senna ainda ajuda muitas crianças no Brasil hoje.

Você realmente assistiu à série da Netflix sobre ele antes da final da F2 em Abu Dhabi?

Sim, eu assistia todas as noites antes do fim de semana da corrida. Comecei alguns dias antes – só terminei no domingo. No sábado à noite, vi o episódio em que Senna luta contra Martin Brundle pelo título da F3. É a última corrida da temporada – ele leva seu motor para a Itália e depois volta para o Reino Unido para a final. Isso foi inspirador. Claro, é uma série – há um pouco de ficção – mas foi uma ótima maneira de me preparar para a luta pelo título. Me deu um impulso extra.

Seu capacete é inspirado no design do Senna. Isso não aumenta a pressão?

Não, não é. O ano passado foi uma homenagem merecida – um especial de 30 anos para Senna. Mas também é a cor do meu país – nossa bandeira – e tenho orgulho de representá-la. As pessoas sempre mencionarão Senna – então, sim, é difícil ser comparado a ele, porque ninguém jamais será o que ele foi. Sabemos onde estamos agora, ainda não estou ganhando corridas. Mas os fãs entendem.

É um grande avanço em comparação com a época de Massa e Rubens [Barrichello]. Naquela época, era mais como: ou você vence, ou você é... Não é bom o suficiente. Mas agora, depois de tantos anos sem um brasileiro na F1, estamos de volta. Acho que os fãs entendem a nossa situação, as nossas ambições — e têm sido pacientes, me apoiando e muito gentis comigo.

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