Fórmula 1 GP da Hungria

ANÁLISE: Entenda motivos de desclassificação de Vettel e como Aston Martin apelará contra decisão

Organização da Fórmula 1 anulou corrida do tetracampeão por não apresentar quantidade necessária de combustível no carro após o fim da prova

Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21

Será que a Aston Martin conseguirá manter o segundo lugar, conquistado com dificuldade, de Sebastian Vettel no GP da Hungria de Fórmula 1 mesmo depois da FIA não conseguir extrair uma amostra de combustível grande o suficiente de seu carro e desqualificá-lo da prova?

É uma possibilidade remota, mas ao apresentar um aviso de intenção de apelar contra a decisão no último domingo (1), a equipe de Silverstone se deu o tempo necessário para montar o caso e encontrar uma maneira de provar que a quantidade certa ainda está no tanque do AMR21.

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A exigência de fornecer uma amostra de um litro de combustível para teste está nas regras há décadas. É fundamental para o policiamento do esporte e garantir que as equipes estejam sempre executando a "impressão digital" exata que registraram na FIA.

O componente pode ser testado e verificado a qualquer momento durante o fim de semana, mas naturalmente os momentos cruciais são após a qualificação e a corrida.

A organização precisa dessa quantidade porque inicialmente fornece três amostras, uma testada pelo especialista em combustível na pista, uma que vai para um laboratório independente e outra retida pela equipe.

Nem todo carro é verificado depois de cada prova ou sessão, então pode ter havido casos em que os pilotos não tinham uma amostra grande o suficiente, mas ainda assim mantiveram seus pontos.

No entanto, todos sabem que verificações podem ser feitas a qualquer momento e nenhuma escuderia jamais faria deliberadamente o carro chegar ao ponto em que houvesse menos de um litro no tanque. Há pouco a ganhar e muito a perder.

Ao longo dos anos, alguns pilotos violaram as regras. O exemplo mais famoso talvez tenha sido o GP de Abu Dhabi de 2012, que também preocupou Vettel. O tetracampeão se classificou em terceiro e foi instruído pela Red Bull a parar na pista em sua volta de retorno aos boxes.

Isso levantou as suspeitas da FIA. Na época, o regulamento dizia: "Exceto em casos de força maior (aceito como tal pelos organizadores da reunião), se uma amostra de combustível for necessária após uma sessão de treinos, o carro em questão deve primeiro ter sido conduzido de volta aos boxes ainda ligado."

Sebastian Vettel, Red Bull Racing RB8

Sebastian Vettel, Red Bull Racing RB8

Photo by: Sutton Images

Na sequência, os comissários da época aceitaram que havia um motivo para parar, mas quando o carro foi verificado pelo representante técnico da FIA, Jo Bauer, o litro crucial não pôde ser recuperado.

A equipe estava convencida de que ele estava lá em algum lugar e tentou de tudo para encontrá-lo, sem sucesso. Assim, Vettel foi desqualificado do treino classificatório e enviado para o final do grid. Ele partiu dos boxes após algumas alterações feitas no parque fechado para ajudá-lo a ultrapassar.

Posteriormente, o texto dessa regra mudou. Para remover a possibilidade dos pilotos pararem nas voltas após a qualificação, apenas para economizar combustível, e de ter a pista cheia de carros estacionados, a F1 deixou claro que eles deveriam voltar ao pitlane.

O regulamento agora diz: "Após uma sessão de treinos, se um carro não for conduzido de volta aos boxes com sua própria força, será necessário fornecer a amostra mencionada acima mais a quantidade de combustível que teria sido consumida para voltar aos boxes. A quantidade adicional será determinada pela FIA."

Em outras palavras, se você parar no meio da pista após a classificação, a FIA calculará quanto você economizou fazendo isso e, portanto, quanto teria se tivesse pilotado. Caso o resultado seja inferior a um litro, estará em apuros.

Essa regra não se aplica à corrida em si, pois o consenso é que na era dos carros híbridos, com o combustível tão apertado, não seria certo um piloto perder uma vitória por falta de amostra se pudesse estacionar e manter o suficiente no tanque.

Não está escrito nas regras como tal, mas se algum carro parar na volta, por qualquer motivo, a FIA toma nota e Bauer garante que isso seja verificado. Foi exatamente o que aconteceu com Vettel.

O GP da Hungria é uma etapa em que o combustível costuma ser crítico. O vencedor Esteban Ocon teve que economizar durante a corrida e o quarto colocado Carlos Sainz falou sobre o quanto isso o comprometeu.

Perseguindo o francês, e com Lewis Hamilton o alcançando, o tetracampeão não teve muito tempo para andar cautelosamente e seu engenheiro disse na última volta: "Sebastian, teremos alguma economia." Portanto, a equipe sabia que seria marginal.

Esteban Ocon, Alpine A521, Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21

Esteban Ocon, Alpine A521, Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21

Photo by: Mark Sutton / Motorsport Images

Independentemente da necessidade de fornecer o litro requisitado, correr perto da margem também compromete potencialmente uma equipe no limite de peso geral. As escuderias costumam dizer aos pilotos que atropelem alguns detritos nas voltas para adicionar peso extra aos pneus.

Foi o o caso de Vettel após cruzar a linha, com seu engenheiro comunicando: "pegue coisas no caminho, muitas coisas. Super lento, economize combustível." Nada mais foi dito enquanto ele fazia a volta, mas pouco antes do final ele foi instruído a parar em um lugar seguro, o que o obrigou a subir ao pódio a pé.

O carro dele não foi o único estacionado na pista. Os pilotos da Williams, George Russell e Nicholas Latifi, também receberam chamadas urgentes para parar, e ambos fizeram logo após terminarem a corrida. O vencedor Ocon perdeu a entrada nos boxes no final de sua volta de comemoração e passou pelos pits pela segunda vez. Ele logo parou e voltou ao pódio andando.

Como sempre, Bauer estava prestando atenção. Os carros de Vettel, Russell e Latifi foram todos imediatamente marcados para verificações de amostra de combustível com base no fato de que, como estacionaram, poderiam ser marginais naquele litro crucial.

Ele não estava preocupado com Ocon, pois o francês completou sua volta e, por engano, deu mais uma. O piloto não recebeu a chamada urgente reveladora da Alpine na primeira.

O procedimento de amostragem envolve o bombeamento do combustível, com a ajuda da equipe, na garagem de fiscalização da FIA. Os carros de Russell e Latifi forneceram o litro, mas o de Vettel não - apenas 30% da quantidade necessária pôde ser recuperada, apesar dos melhores esforços dos mecânicos.

Às 20h02, Bauer emitiu um relatório aos comissários: "Após a corrida foi verificado no carro número 05 se uma amostra de 1,0 litro de combustível poderia ser retirada do carro. Foi possível retirar apenas uma amostra de 0,3 litro seguindo os procedimentos estabelecidos no Artigo 6.6.4 dos regulamentos técnicos da Fórmula 1 de 2021."

Esses relatórios são raros, porque na maioria das vezes os carros são totalmente legais e passam em todas as verificações relevantes. Portanto, quando um chegar, tome nota - Bauer está invariavelmente certo quando sinaliza algo.

Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21

Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21

Photo by: Zak Mauger / Motorsport Images

Sua referência ao Artigo 6.6.4 é significativa. No passado, as equipes presas em tal situação tentariam de tudo para tirar as últimas gotas vitais de combustível, desmontando sistemas, espremendo tanques e examinando cada cano. Na era híbrida, isso não é mais permitido.

A regra mencionada acima diz: "O procedimento de amostragem não deve exigir a partida do motor ou a remoção da carroceria (exceto o conjunto da nosebox e a tampa sobre qualquer conector de reabastecimento)."

Assim, as equipes não podem desmontar as peças - nem mesmo remover a proteção da unidade de potência. Tudo o que podem fazer é colocar o carro em suportes de alturas diferentes e incliná-lo para frente e para trás em um esforço para desalojar um pouco de combustível.

Uma complicação adicional para a Aston Martin no domingo foi que, como outras escuderias britânicas, a maioria do pessoal estava com agenda de viagens apertada e o atraso da bandeira vermelha tornou as coisas ainda piores. Os engenheiros partiram para embarcar logo após a sinalização, assim como o diretor esportivo Andy Stevenson, o homem responsável por lidar com a FIA nesses assuntos.

Junto aos mecânicos e a equipe do motorhome, o único que ainda estava no local era o chefe da equipe Otmar Szafnauer, simplesmente porque estava programado para voar na segunda-feira. Assim que o problema foi notificado, ele se viu no centro da tempestade e teve que lidar pessoalmente com os comissários, Bauer e o chefe técnico da FIA, Nikolas Tombazis, o que normalmente não seria o caso.

Houve uma enxurrada de mensagens urgentes para os que estavam no aeroporto, pouco antes de eles embarcarem no voo, e para a equipe no Reino Unido. As regras foram verificadas e revisadas novamente, exploraram todas as opções.

Uma equipe pode calcular quanto combustível resta porque sabe quanto gasta antes da largada e porque o medidor de fluxo da FIA [FFM] fornece um registro oficial preciso do que foi usado durante a corrida.

Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21, 2nd position, passes his cheering team on the pit wall

Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21, 2nd position, passes his cheering team on the pit wall

Photo by: Andy Hone / Motorsport Images

Szafnauer foi inflexível que ainda deveria haver 1,74 litros no carro, e como a organização encontrou apenas 0,3, o 1,44 que faltava deveria estar lá em algum lugar.

A afirmação do chefe foi que a bomba de elevação do carro falhou e, por isso, os últimos resíduos não puderam ser removidos. Esse foi um elemento-chave do debate com a FIA - a equipe deveria ter permissão para instalar um novo componente que ajudasse a procurar o combustível que faltava?

Szafnauer debateu com Bauer enquanto os mecânicos seguiam com seus esforços para encontrar a quantidade necessária. Por fim, a FIA decidiu que já bastava e que a escuderia tivera ampla oportunidade de localizá-la. O representante relatou isso aos comissários, que postaram seu julgamento às 22h02 - Vettel desclassificado.

O veredicto dizia: “Depois da corrida não foi possível tirar uma amostra de 1,0 litro de combustível do carro 5. A equipe teve várias chances para tentar retirá-lo do tanque, mas só foi possível bombear 0,3 litros para fora."

"Durante a audiência na presença do delegado técnico da FIA [Bauer] e do diretor técnico da FIA [Tombazis], o chefe de equipe da Aston Martin afirmou que deve haver 1,44 litros restantes no tanque, mas eles não são capazes de retirá-los. Este valor é calculado usando o modelo FFM ou injetor."

"O procedimento foi seguido, porém a amostra de 1,0 litro de combustível não pôde ser coletada. Os comissários determinaram aplicar a penalidade padrão para infrações técnicas. Portanto, eles levaram em consideração que não haverá defesa em alegar que não foi obtida vantagem de desempenho."

Não é de surpreender que Szafnauer e seus colegas já tivessem decidido apelar, ou melhor, como dita o procedimento, apresentar uma notificação de intenção de apelar. Isso dá 96 horas durante as quais uma equipe pode estudar suas opções e decidir se deve prosseguir formalmente com o recurso completo.

"Posso confirmar a intenção de recorrer", disse o chefe ao Motorsport.com no momento em que o veredicto saiu. "Assim, quando analisarmos mais, se tivermos motivos, vamos apelar. Se não, vamos desistir. Temos 96 horas."

“Por todos os nossos cálculos, ainda deve haver 1,44 litros de combustível no carro após a amostra de 300 mililitros ter sido coletada. Só temos que mostrar à FIA que estava lá, e 300 mililitros são suficientes para sua amostra de combustível. Essa será a base do apelo."

Otmar Szafnauer, Team Principal and CEO, Aston Martin F1

Otmar Szafnauer, Team Principal and CEO, Aston Martin F1

Photo by: Glenn Dunbar / Motorsport Images

Szafnauer foi inflexível ao afirmar que os números da equipe mostravam que o combustível deveria estar lá: "O medidor de vazão que temos no carro analisa quanto é usado."

“Portanto, a diferença entre o que entrou e o que foi utilizado é o que resta. É assim que sabemos que restam 1,74 litros. Nós temos isso, a FIA trabalha com o componente, eles têm todos esses dados, nós fornecemos a eles a informação de quanto combustível colocamos. Podem verificar isso a qualquer momento."

A complicação aqui foi a natureza do caso, já que tudo depende de ser capaz de eventualmente encontrar a quantidade extra.

Para ir para a próxima etapa, Szafnauer teve que concordar com um procedimento altamente incomum - a FIA confiscaria todo o carro da Aston Martin e tomaria posse dele, enquanto se aguarda o processo de apelação.

Bauer aprendeu uma lição valiosa em 1999, no GP da Malásia: o infame caso do bargeboard da Ferrari. Ele apreendeu os itens específicos, mas se separou do contexto de sua localização no carro. A escuderia de Maranello posteriormente encontrou uma brecha que foi capaz de explorar. Desta vez, ele quer manter o carro inteiro intacto.

O transporte foi providenciado às pressas de Budapeste para as instalações técnicas da FIA na França. Normalmente as equipes passam algumas horas após a corrida executando várias tarefas de rotina, preparando os bólidos para a viagem, antes de carregar a preciosa carga nos caminhões. Nesse caso, o carro foi basicamente entregue depois de encerrada a prova.

O momento foi imprevisto. Demora um pouco para a FIA montar um procedimento de apelação e, se a F1 estivesse no meio de dois eventos seguidos de GP, o carro inteiro de Vettel seria perdido, incluindo a caixa de câmbio e a unidade de força, para a corrida seguinte. Mesmo com o intervalo de um fim de semana livre, é improvável que um recurso fosse acertado a tempo.

Em teoria, a escuderia poderia ter construído o chassi sobressalente para o alemão, mas isso exigiria uma penalidade pela caixa de câmbio, por exemplo, bem como novos elementos da unidade de força sendo usados ​​antes do planejado.

No entanto, a Hungria precede as férias de verão, com três semanas livres até Spa. Logo, a decisão de entregar o carro foi muito mais fácil - embora a Aston Martin ainda precise voltar a tempo para prepará-lo nos dias que antecedem o GP da Bélgica, assim que terminar o desligamento da fábrica.

O cerne da questão na apelação provavelmente será o uso de quaisquer esforços adicionais para extrair o combustível sob a supervisão contínua da FIA e, conforme observado anteriormente, especificamente a oportunidade de instalar uma nova bomba. Há alguma provisão nas regras para a substituição de peças danificadas semelhantes, a fim de passar por verificações. Esse provavelmente será um argumento chave.

Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21, takes his grid spot for the start

Sebastian Vettel, Aston Martin AMR21, takes his grid spot for the start

Photo by: Andy Hone / Motorsport Images

"Ainda não o desmontamos", disse Szafnauer. "Mas, por algum motivo, as bombas não tiravam o combustível do carro."

Se a equipe decidir nos próximos dias que não vale a pena prosseguir com o recurso, ou se perder, o excelente segundo lugar de Vettel e os 18 pontos serão perdidos.

Os beneficiados serão as equipes que terminaram atrás e podem ganhar pontuação extra caso a exclusão do tetracampeão seja confirmada. São elas: Mercedes, Ferrari, Alpine, AlphaTauri (com dois carros), Williams (também dois), Red Bull e Alfa Romeo.

Todos eles estarão observando o caso com algum interesse e, em tese, também terão a oportunidade de argumentar contra a permissão para a Aston buscar a quantidade extra por meio da instalação de uma nova bomba, por exemplo. A probabilidade é que a maioria não simpatize muito com a causa dos britânicos.

O maior perdedor será Vettel, que mostrou ótima pilotagem e pode perder o resultado sem ser por sua culpa e pelo que você pode chamar de uma pequena falha em vez de algo que confere qualquer vantagem esportiva. Isso não importa aos olhos da FIA - as regras são claras e a penalidade é inevitável, como os comissários deixaram claro.

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