Entrevista

F1: Ex-diretor de Galvão relata genialidade, 'causos' e 'tretas' do narrador da Globo

Alfredo Bokel trabalhou com o narrador por mais de 20 anos e foi o homem-forte dos bastidores do esporte a motor no Grupo Globo

Alfredo Bokel e Galvão Bueno

Galvão Bueno, também conhecido como a voz da Fórmula 1 no País, voltou a narrar um evento esportivo depois de 14 meses no último domingo, transmitindo o jogo entre Flamengo e Palmeiras, pela Supercopa do Brasil, na Globo. Entretanto, o principal nome das narrações brasileiras de esporte a motor não poderá transmitir corridas da F1 neste ano, após a ida da categoria para a Band, na qual a atração ficará pelo menos até o fim de 2022.

De todo modo, Bueno ainda é muito associado à F1. Polêmico, controverso e sempre original, seu nome não é unanimidade entre fãs. Porém, muitos ainda lamentam a 'separação' entre ele e a elite do automobilismo mundial. Mas como eram os bastidores das transmissões com Galvão? É isso que o jornalista Alfredo Bokel, que trabalhou com o narrador por mais de 20 anos, revelou em entrevista exclusiva ao Motorsport.com. Veja no vídeo abaixo:

O editor recomenda:

"Eu brinco que o Galvão é meu pai profissional e, desde o primeiro momento, em agosto de 2000, quando eu comecei a trabalhar com ele no site (do narrador), rolou uma relação muito boa, porque ele via em mim um moleque esperto, que conhecia e gostava de esporte", afirmou Bokel, que trabalhou como prestador de serviços para Bueno e para o Grupo Globo entre 2000 e 2006, além de ter assessorado os filhos do narrador, Cacá e Popó, na Stock Car.

"Aprendi (a pensar como o Galvão). A partir do momento em que você faz assessoria de imprensa para um cara como o Galvão e um cara como o Cacá, você precisa entender a cabeça deles. E eu tinha um banquinho de respostas já prontas. O Galvão 'cansou' de falar para mim: 'Pô, parece até que fui eu que escrevi esse texto'. Porque, realmente, você vai pegando detalhes e insights que te ajudam a construir, a pensar como aquelas pessoas", seguiu.

O trabalho com Galvão na F1 como editor-executivo e gerente de esporte a motor

"O editor-executivo, ou o gerente que depois fui, é uma espécie de coordenador editorial, uma espécie de chefe mesmo. Muitas vezes, eu falava o que ele tinha que fazer. Muitas vezes, ele não concordava", disse Bokel, que foi contratado do Grupo Globo entre 2006 e 2021.

"Muitas vezes, ele 'retrucava'. Muitas vezes, a gente trocava ideias... E assim a gente ia: eu colocava para ele, muitas vezes, alguns detalhes. Logicamente, eu não fico narrando no ouvido dele. Ele narra a corrida normalmente, mas tem alguns pontos que a gente quer abordar na transmissão, então eu jogava isso para ele e falava: 'Olha, vamos falar disso, vamos falar daquilo e tal...'."

"Foi muito engraçado porque virei editor-executivo de esporte a motor exatamente pela relação que sempre tive com o Galvão. É um cara que é muito especial na minha vida. Fico até emocionado de falar do Galvão. É um cara que tem uma visão muito macro de uma transmissão de televisão. Domina aquela parada", destacou Bokel, que atuou como produtor de internet e de TV, editor de web e de texto, editor-executivo e gerente no Grupo Globo.

A 'ordem' do narrador

"Ele me pediu, num primeiro momento, quando a gente começou a fazer as transmissões, para eu ser breve, objetivo no que eu falasse com ele no fone, e sempre falar quando ele estivesse falando", explicou o jornalista, antes de justificar a 'ordem' do narrador.

"Nunca quando um comentarista estivesse falando: 'Porque eu não vou ouvir o que o comentarista está falando, se você falar junto com o comentarista você vai cobrir a voz do comentarista no meu ouvido, então prefiro que você fale quando eu estiver falando'."

"Então, toda orientação que eu dei para ele durante esses cinco anos (2012 a 2017) em que eu fui o editor-executivo, foi sempre quando ele estava falando. Aí você vê todo o preparo do cara para ficar ouvindo vozes e narrando o que está acontecendo."

'Causos' com Galvão

"Já aconteceu, por exemplo, de (eu) estar na coordenação, falando com o diretor de TV, com o produtor-executivo, com um produtor, dando orientação para um repórter, e ele estar lá narrando... Naquele exato momento, você não está ouvindo o que ele está falando. Aí a transmissão corre, eu dou uma orientação para ele e ele manda o recado no ar: 'Como eu já falei antes'... Isso acontece também", riu-se Bokel.

"Na transmissão em si, não tem muitos arranca-rabos porque você está no ar. Mas, fora da transmissão, a gente já 'cansou' de brigar, de divergir e tal... Mas a gente sempre se acertava, porque a gente estava ali por um bem comum: fazer a melhor transmissão possível."

"A gente sempre 'se atritava' um pouquinho, mas sempre com muito carinho, respeito... A gente 'trocava' muito, o Galvão sempre me ouviu. Apesar de ser uma pessoa de personalidade extremamente forte e de opiniões extremamente firmes, ele sempre escutou muito."

Chico Anysio

"Em 2012, era uma corrida de madrugada, e pediram que ele (Galvão) gravasse alguma coisa para o 'Esporte Espetacular' sobre (a morte do) Chico Anysio. De repente, 'gravando': ele sai falando... Ele pediu três ou quatro informações para você, você passou, e de repente ele constrói, na cabeça dele um texto que 'vai embora'. Não tem teleprompter (uma espécie de 'cola' do texto jornalístico) para o Galvão."

"Ele faz tudo 'da cabeça' dele, do improviso dele. Eram assim os textos que ele fazia nos GPs para o 'Jornal Nacional' de sábado, quando ele fazia aquela gravação de um minuto. Era tudo ali 'na hora'. A questão da palavra, do lidar com a câmera, para ele é muito natural."

O 'amigo Galvão' nos restaurantes, bares e afins

"O Galvão bebe tudo. Ele me ensinou a beber grappa, eu nunca tinha ouvido falar em grappa na vida. Foi ele que me apresentou. Não podia beber com as mãos, você tinha que pegar o copo com a boca direto na mesa e virar."

"Os jantares com o Galvão sempre foram muito ótimos no sentido de você ouvir muitas histórias e conhecer um pouco da história do esporte na televisão brasileira. Isso sempre foi muito enriquecedor."

"Aproveitei bastante essa parte... De fechar os restaurantes e os garçons ficarem em volta da mesa assim: 'Não vai embora, não?'. Até alguém se tocar e falar: 'Pô, Galvão, está na hora de ir embora...'. Isso várias vezes aconteceu: a gente sair, depois de uma transmissão, para almoçar, emendar o jantar no mesmo lugar, na mesma mesa, e fechava o restaurante", completou o bem-humorado Bokel.

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