“Hoje não, hoje sim”: Há 20 anos, Barrichello, Schumacher e Ferrari protagonizavam um dos episódios mais polêmicos da F1
Repercussão amplamente negativa do caso forçou FIA a promover mudanças no regulamento, mas com pouco efeito real
“Hoje não. Hoje não. Hoje sim... hoje sim. É inacreditável”. Todo brasileiro fã de Fórmula 1 conhece muito bem este bordão e o momento que levou a isso. Foi no GP da Áustria de 2002, quando Rubens Barrichello foi forçado a ceder a vitória para Michael Schumacher nos metros finais devido a uma ordem de equipe da Ferrari, em um dos episódios mais polêmicos da história da categoria.
Neste 12 de maio de 2022, este episódio, lembrado até hoje, completa 20 anos, e o Motorsport.com relembra os acontecimentos daquele fim de semana e a repercussão, no Brasil e no mundo.
Na classificação do sábado, Barrichello voou pelo então A1 Ring (hoje Red Bull Ring após reformas) para fazer a pole com 01min08s082, enquanto a outra vaga na primeira fila foi para um Schumacher, mas não Michael e sim seu irmão Ralf, que terminou a mais de dois décimos do brasileiro. Já Michael ficou em terceiro, 0s6 atrás de Rubens, alegando ter perdido ritmo devido ao tráfego e um problema no freio.
A corrida do domingo começou às 14h, horário local e Barrichello teve uma boa saída, se mantendo na ponta, enquanto Schumacher passava o irmão para assumir a segunda posição. Mesmo com múltiplas entradas do safety car, a superioridade da Ferrari permitiu que a dupla abrisse largas vantagens para os rivais.
No começo da volta final, Barrichello liderava com 1s de vantagem sobre Schumacher, e parecia a caminho de sua primeira vitória no ano, após um começo ruim de campeonato, com três abandonos e uma prova não-disputada na Espanha por problemas de câmbio.
Pelo rádio, o então diretor técnico Ross Brawn avisou Schumacher que Barrichello o cederia a vitória e, após o brasileiro frear na última curva, o alemão afirma que chegou a tirar ainda mais o pé, esperando que a ordem de equipe não fosse aplicada, mas ele acabou cruzando a linha de chegada em primeiro.
Na transmissão brasileira, Cléber Machado comandava a ação na TV Globo, enquanto Galvão Bueno se preparava para a cobertura da Copa do Mundo, que começaria no mês seguinte. Sua reação à ordem de equipe da Ferrari, ficou marcada para a história: “Eles vão pra última, a mesma do ano passado. Hoje não, hoje não. Hoje sim... hoje sim. É inacreditável. Não há nenhuma necessidade da Ferrari fazer isso”.
A reação foi instantânea. Ao subirem para o pódio, Schumacher e Barrichello foram duramente vaiados pelo público que lotava o autódromo. Como forma de acalmar os ânimos, o alemão cedeu o posto mais alto do pódio ao brasileiro, além de entregar o troféu de vencedor a ele.
Barrichello e Schumacher no pódio
Photo by: Reprodução
Na coletiva, Schumacher disse entender o motivo por trás da decisão da Ferrari: “A equipe está investindo muito dinheiro por um objetivo e imagina que se, no fim, não fosse suficiente com essa quantidade de pontos, o quão idiotas pareceríamos?”.
“É uma coisa muito particular, eu acho que vai existir muita guerra em cima disso, todo mundo vai cair em cima. Mas eu tô acima de tudo isso. Eu tô em uma fase ótima da minha vida. Eu não vou deixar isso me abalar”, disse Barrichello em entrevista a Tadeu Schmidt, que cobria a corrida in loco para a Globo.
A repercussão negativa em torno do assunto foi tamanha que o próprio Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, chegou a divulgar um comunicado oficial sobre o caso: “Hoje, todo o Brasil está de acordo: Rubens Barrichello venceu o GP da Áustria. Esse troféu é dele”.
Em um ano quase perfeito, terminando todas as corridas em primeiro e segundo exceto na Malásia, quando terminou em terceiro, Schumacher conquistou seu pentacampeonato em tempo recorde, com seis provas ainda restantes no ano. Por isso, a decisão da Ferrari chocou ainda mais, por se tratar de um ano em que o alemão virtualmente não tinha rivais.
Naquele 2002, Schumacher terminou campeão com 144 pontos, contra apenas 77 de Barrichello. O rival mais próximo, Juan Pablo Montoya, fez 50.
Michael Schumacher parabeniza Rubens Barrichello
Photo by: Ferrari Media Center
A Ferrari prometeu que ‘devolveria’ o favor a Barrichello assim que Schumacher conquistasse o título. Mas não foi bem assim... O penta veio ainda no começo de julho, no GP da França, 11ª etapa da temporada 2002, com seis GPs ainda pela frente. E o ‘troco’ veio apenas na penúltima prova do ano: o GP dos Estados Unidos.
Após fazer a pole com Barrichello em segundo, Schumacher liderava em Indianápolis quando visivelmente desacelerou na última curva, permitindo a aproximação e ultrapassagem do brasileiro, rendendo a menor margem de vitória da história da F1 até hoje: 0s011.
Anos depois, Barrichello relembrou do episódio em entrevista ao talk show da Globo Conversa com Bial.
“Nesse dia, eu saí do pódio e não fui para a sala de imprensa [participar da coletiva] porque passei mal. Vomitei muito naquele dia, de raiva”.
“Nós, como brasileiros, deveríamos sentir orgulho pelo fato de que não foi um momento que eu quis, que eu premeditei. Mesmo porque, no ano anterior, aconteceu a mesma coisa pelo segundo lugar e eles me falaram que, se fosse pelo primeiro, não fariam [a ordem de equipe]”.
“Quando falo de orgulho, quero dizer que mudaram as regras da F1 por causa daquele dia. Hoje em dia, você ouve em casa o que o piloto está falando. Nesse dia, se tivesse ouvido, teria sentido nojo”.
Apesar disso, ele falou que sempre teve um bom relacionamento com Schumacher em seus anos de Ferrari.
“Ele era ótimo com um copo de vinho na mão. Um parceiraço. Mas dentro da pista, dentro da reunião, havia momentos de: ‘Não acredito que você falou um negócio desses’”, contou Barrichello. “Ele adorava meus amigos, ele sentia o calor humano. Ele gostava de mim, verdadeiramente.”
Barrichello ainda ‘conseguiu rir’ da própria desgraça. Em 2019, ele participou de uma ação da Netflix para divulgar o filme Esquadrão Seis, protagonizado por Ryan Reynolds. No vídeo, ele aparece colocando fogo no seu troféu de segundo colocado após dizer “hoje sim!”.
O que Barrichello disse, com relação à mudança no regulamento, é real, mas não impediu as equipes de seguirem executando ordens de equipe polêmicas.
A própria Ferrari voltou a estar nos holofotes anos depois. No GP da Alemanha de 2010, Felipe Massa havia liderado quase toda a corrida em Hockenheim e estava a caminho de vencer pela primeira vez desde o GP do Brasil de 2008 mas, próximo do fim, recebeu uma mensagem “codificada” da equipe italiana, da qual todos entenderam imediatamente o significado.
Seu engenheiro, Rob Smedley, disse: “Fernando está mais rápido que você. Você pode confirmar se entendeu a mensagem?”. Com isso, o brasileiro abriu passagem, entregando a vitória a Alonso e sacramentando seu papel como segundo piloto da equipe italiana.
Nesta quinta-feira (12), o Motorsport.com realiza um bate-papo ao vivo com Cléber Machado sobre os bastidores do GP da Áustria de 2022 e a repercussão de seu histórico bordão. Para ativar o lembrete, clique aqui e não perca!
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