Coluna especial: o elo trágico entre Ratzenberger e Senna 25 anos depois
Jornalista brasileiro que mora na Áustria, Luis Fernando Ico relembra carreira e contato com pais de Roland Ratzenberger, que morreu um dia antes de Senna em Ímola
Por Luis Fernando Ramos, o Ico*
Em 2014, um grupo de torcedores italianos organizou uma belíssima homenagem a Ayrton Senna no circuito de Ímola. O evento atraiu o interesse de torcedores e da imprensa do mundo todo, com uma exposição trazendo carros e objetos utilizados na carreira do piloto brasileiro. E com uma tocante peregrinação de milhares de pessoas até a curva Tamburello para um momento de reflexão e um minuto de silêncio justamente no horário do acidente. Foi de arrepiar.
Mas o momento que mais me tocou num final de semana carregado de emoções ocorreu no dia anterior quando foi feita uma homenagem a Roland Ratzenberger com a presença dos pais do piloto austríaco, Rudolf e Birgit, numa sala ao lado dos boxes do circuito. Enquanto a mãe adotou uma postura mais reservada, o pai atendia a todos com extrema simpatia.
Fiquei curioso ao ver a intensidade que ele vivia o momento de uma memória certamente dolorosa. Conversamos depois, e ele me explicou o quanto lhe era importante manter viva a memória do filho. “Este meu trabalho para Roland é um trabalho triste, mas que me economizou um psiquiatra. Outras pessoas precisam de acompanhamento depois de um golpe como esse. Eu não precisei. Com minha esposa é diferente. Até hoje, ela tem dificuldades em lidar com o que aconteceu”.
Rudolf Ratzenberger admitiu também que, de certa forma, o acidente fatal de Ayrton Senna no dia seguinte ao de Roland acabou sendo fundamental para que isso ocorresse. “Nosso Ayrton e nosso Roland, os lembramos com tanto carinho. Nem parece que já se passou tanto tempo”, apontou.
Não se pode negar que a sucessão de acontecimentos no trágico final de semana do GP de San Marino de 1994 tornou a memória de Roland Ratzenberger muito mais celebrada do que a de outros pilotos que atingiram resultados muito melhores que o dele na Fórmula 1 e também morreram na pista - como por exemplo Luigi Musso, Peter Collins, Lorenzo Bandini e François Cevert, apenas para citar alguns vencedores de corrida.
Já o piloto austríaco disputava apenas seu terceiro final de semana na Fórmula 1. Correndo pela equipe Simtek, um time estreante e com orçamento modestíssimo, Ratzenberger não havia conseguido se classificar para a largada do GP do Brasil e chegado apenas em 11º lugar no GP do Pacífico, no circuito japonês de Aida. Um enorme contraste com o currículo de Senna, tricampeão do mundo, correndo pela melhor equipe da época e um dos esportistas mais populares do planeta.
Acabou que a interrupção brutal de suas trajetórias no mesmo tempo e lugar unisse os dois pilotos. Mas não havia só isso em comum: Ratzenberger era apenas três meses mais novo que Senna, também canhoto e um piloto extremamente popular no Japão. Lá, somou vitórias em categorias distintas, como esporte-protótipos, turismo e Fórmula 3000. E com uma equipe japonesa venceu as 24 Horas de Le Mans de 1993 na categoria C2 - chegando de quebra na quinta posição na classificação geral, um resultado notável.
Quando se acidentou na curva Villeneuve, após perder o controle do carro por uma quebra na asa dianteira, Ratzenberger vivia a realização do sonho que alimentava desde quando era criança e corria para ver os carros passarem velozes no circuito de Salzburgring, a poucos metros de sua casa. De família modesta, o austríaco financiou a fase inicial de sua carreira atuando como instrutor em escolas de pilotagem - ralava cinco dias por semana para correr aos sábados e domingos.
Passou pelo automobilismo de base na Inglaterra e só conseguiu certa independência financeira correndo no Japão. Mas as portas da Fórmula 1 só se abriram graças ao apoio financeiro de uma empresária austríaca sediada em Mônaco, onde ele morava - assim como Ayrton Senna.
No dia da corrida, o brasileiro planejava homenagear Ratzenberger com uma vitória. “Havia uma bandeira austríaca no cockpit da Williams e sabíamos que Senna gostaria de ter homenageado Roland. Nos deixa muito tristes que ele também tenha falecido. Tornou tudo ainda mais amargo”, me disse o pai Rudolf em 2014.
*Luis Fernando Ramos, o Ico, cobre Fórmula 1 desde 1995 e mora na Áustria desde 2001, tendo coberto o calendário da F1 in loco entre 2008 e 2016.
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