Entrevista

Sette Câmara projeta temporada com “cabeça fria” na F2

Ao Motorsport.com, piloto rejeita peso extra por ser único representante brasileiro na principal divisão de acesso à F1: “É uma honra, não uma pressão”

Sergio Sette Camara

“Fazer bem feito” e com cabeça fria: é com essa mentalidade que Sérgio Sette Câmara inicia, no próximo fim de semana, sua segunda temporada na F2, a principal categoria de acesso da F1. 

O mineiro, de 19 anos, tem a missão de apresentar progresso em relação à sua campanha de estreia na categoria, em 2017, quando foi 12º colocado na classificação geral com a modesta equipe MP Motorsport - incluindo uma vitória na segunda bateria da rodada de Spa-Francorchamps. 

Pela perspectiva do público, a participação de Sette Câmara terá uma importância especial, já que se trata do único brasileiro na F2 justamente na primeira temporada em 48 anos sem um representante do país na F1. 

Apesar dos olhos atentos da torcida, o jovem piloto disse, em entrevista exclusiva ao Motorsport.com Brasil, que vê a situação no geral como um incentivo. 

“Isso é uma honra, não uma pressão”, avaliou. “Não sinto pressão e isso não me atrapalha – pelo contrário, acho muito legal ter essa oportunidade de representar o meu país, que tem um histórico fortíssimo no automobilismo, e ainda com o frio na barriga de ser o único neste degrau da F2.”

Justamente em temporada importante para sua trajetória, o mineiro estará de casa nova: ele guiará pela equipe Carlin, que retorna à F2 após um ano de ausência. A fim de estar apto a dar o tão sonhado passo para a F1, Câmara teria de terminar o campeonato entre os três primeiros colocados, já que só assim acumularia os 40 pontos necessários para estar elegível à superlicença.

O brasileiro reconhece que a importância de um resultado forte independe de qualquer burocracia: “Não sei bem como funciona esse negócio dos pontos, como eles estão respeitando. Mas, de qualquer forma, na minha realidade, dependendo de gente me apoiando, de empresas, vou precisar terminar dentro do top 3, senão provavelmente [o passo para a F1] não vai acontecer.”

Confira a entrevista completa com Sérgio Sette Câmara: 

Sergio Sette Camara, Carlin
Sergio Sette Camara, Carlin

Photo by: FIA Formula 2

Esta será sua segunda temporada na F2 e em uma equipe nova para você. Com qual mentalidade você inicia o campeonato?

Acho que temos que focar em pontuar, em construir o campeonato. É importante chegar ao final do campeonato lá na frente – não adianta nada oscilar, tentar demais e acabar errando uma volta na classificação, ou bater durante as corridas. Tem que pontuar sempre, construir o campeonato. Essa foi a maior lição que tive, o que não fiz até agora.

Nos anos de F3, oscilei bastante nos campeonatos, e na primeira temporada de F2... Bem, o primeiro ano em qualquer categoria é difícil, mas na única oportunidade que tive [de fazer uma segunda temporada em uma categoria], na F3, não consegui usar o potencial que tinha aquele ano e convertê-lo em pontos. Mas o objetivo é esse: estar com a cabeça fria, pontuando, calmo, com um ambiente legal dentro da equipe – o que está por enquanto. 

Mas, olhando de forma mais ampla, pensa que esse tem de ser seu ano definitivo na F2?

É claro que eu espero que seja o último – e que seja o último na categoria de base e que em seguida eu vá para uma categoria profissional, como a F1, por exemplo. Mas não posso tirar a hipótese de que também seja provável que eu repita mais um ano de F2, ou que eu esteja integrado como piloto reserva. Você sabe muito bem como funciona esse esporte: muitas vezes é melhor estar como terceiro piloto de uma certa equipe do que estar como piloto oficial de outra. Claro que é uma decisão difícil de ser tomada, mas há várias variáveis. 

Se você não for campeão da F2, existe a possibilidade de ficar como piloto reserva de uma escuderia e correr de novo na F2 – você só não pode correr na F2 se for campeão. Então, tenho que estar aberto a tudo. Claro que o melhor cenário seria ir muito bem neste ano e dar o passo para a F1 no ano que vem. 

A F2 terá um novo carro neste ano. Como ele se encaixou com o seu estilo e como foi a adaptação?

Comparado ao carro antigo, ele é um carro mais lento, para começo de conversa. E, por ser mais lento, tem mais pontos negativos em comparação ao outro carro – é mais pesado, tem o turbo, que tem o delay, o que é um pouco inesperado em uma categoria como a F2. Com isso, temos que mudar a forma de pilotagem.

A parte legal é que ele tem mais aerodinâmica, você nota realmente a aerodinâmica nas curvas. É um carro legal de guiar. Mas hoje em dia, nessa parte de se encaixar com sua pilotagem, acho que um piloto tem que se adaptar a qualquer carro que vier para ele. Os pilotos jovens, hoje em dia com simuladores, com conhecimento que existe por analisar dados desde pequenos, esse negócio de estilo de pilotagem pouco a pouco está diminuindo. Claro que ainda há uma tendência, mas quanto menos, melhor. Você precisa se adaptar a qualquer carro que vier, porque senão é muito alta a chance de ter uma fase ruim na carreira. Mas me adaptei rápido, estou me entendendo bem com o carro e já estou tendo prazer de guiá-lo, apesar de ser bem pesado e notarmos isso nos tempos de volta e nas curvas de baixa. 

Sergio Sette Camara, Carlin
Sergio Sette Camara, Carlin

Photo by: FIA Formula 2

Neste ano, a F2 terá muitos pilotos estreantes, que estão subindo da F3 e da GP3. O carro da F2 mudou, mas ainda assim você acha que é possível ter alguma vantagem com a temporada de experiência que você já tem?

Acredito que sim. Existem vantagens – claro que não são tantas vantagens, já que o carro não é o mesmo, é tão novo para mim quanto para eles. Para os pilotos que já andaram em uma F-V8 3.5 da vida, ou testaram de F1, o carro não é tão grande. A minha vantagem diminuiu um pouco, mas acho que [dá para tirar vantagem da experiência] no formato do fim de semana. Já tenho a experiência por saber quais momentos importam. 

Parece um pouco bobo, mas parece muito fácil dizer: “Temos que focar na classificação, depois ficar entre os oito na primeira corrida para pontuar na segunda corrida”, mas é muito fácil não fazer isso! Quem já tem uma temporada já passou por isso. Claro que é a mesma coisa na GP3, mas aí tenho a vantagem em relação a esses pilotos por ser um carro um pouco maior. Enfim, quem já fez um ano sempre tem um pouco de vantagem, mas é claro que isso se reduziu significativamente. 

Você está chegando agora na equipe Carlin, que tem uma vasta tradição em categorias de base. Você sentiu uma mudança muito grande em comparação à sua equipe antiga?

Acho que eles conseguem ser muito detalhistas e profissionais, mas sem deixar aquele clima pesado por ter gente pensando de diferentes formas. Eles conseguem fazer isso com harmonia. É um ambiente de família dentro da equipe, e isso é muito legal. Não acreditava muito neste tipo de coisa até eu ver dentro da Carlin, e aí eu vi que isso faz a diferença em um fim de semana de muito estresse.

E é claro que a bagagem de engenharia deles é muito grande. Foi meio que um choque, porque, no ano passado, eu saí da Motopark [na F3, em 2016], que era uma equipe muito calculista, e estava com a MP [na F2], que era uma equipe muito artesanal. Com a MP foi um baque, porque era um negócio orgânico, em que eu definia o acerto com o engenheiro e não dependia tanto de número. Parecia um pouco kart! E agora voltou o negócio dos números, e é muito bom, porque me dá a sensação de que cada mudança que fazemos no carro nos leva na direção certa.

A Carlin também ficou de fora da F2 no ano passado e está retornando em 2018. Esse ano de ausência afeta em alguma coisa? 

Olha, acho que não. Porque tem coisas que eles perdem em relação às outras equipes, como o pneu Pirelli, que eles não usaram nesse último ano. E o último ano que eles fizeram na GP2 [antecessora da F2 até 2016] não foi dos melhores, então eles já deviam estar desatualizados com relação ao pneu Pirelli há alguns anos. Essa é a única desvantagem, já que o carro é novo, então zera tudo. A equipe também tem o apoio de engenheiros que já estavam na F2, então, tirando o pneu Pirelli, acho que não há nenhuma desvantagem. 

Sergio Sette Camara, Carlin
Sergio Sette Camara, Carlin

Photo by: FIA Formula 2

Seu companheiro de equipe é o Lando Norris, um dos caras mais badalados das categorias de base. Você acha que isso também representa uma vitrine maior para você, já que todos estão de olho na sua referência?

Com certeza. É muito bom ter um cara como o Lando como parceiro, tanto pela parte que você falou – ter um cara forte e reconhecido do seu lado, e qualquer coisa que você fizer provavelmente vai se valorizar –, mas também pelo lado técnico, já que ele é um cara rápido. Ele não tem essa reputação de graça. Claro que ele é um piloto supertrabalhado, tem mil “horas de voo” se comparado a outros pilotos, mas o cara é bom. Muito bom. Então, é ótimo correr contra um cara que me obriga a estar afiado, porque senão... E eu vou forçá-lo a ficar afiado, porque, se um vacilar, o outro vai ficar na frente. Então, é um ano em que eu posso crescer não só na parte de imagem, mas também crescer como piloto. 

Neste ano, o grid da F2 estará repleto de membros de programas de equipes da F1 – como McLaren, Mercedes, Renault, Ferrari. Como você analisa o nível da concorrência em relação ao que teve no ano passado?

Acho que o nível da F2 está muito alto neste ano, mas é difícil comparar um ano com o outro... Vamos esperar e começar. Para falar a verdade, na condição em que a Prema estava no ano passado, ganhar uma corrida era um negócio de louco, especialmente no sábado, que depende da classificação. Tinha uma equipe que dominava tanto que o nível de dificuldade para ganhar em outro carro era altíssimo, mas talvez o nível para chegar no top 10 não era tão alto como neste ano. É normal, vai mudando. A gente não sabe como vão estar as equipes neste ano, mas acho que o nível vai estar muito alto, sim. 

O fato de não haver brasileiros na F1 e de você ser o único representante do país na principal categoria de base afeta em algo no seu trabalho? Como você lida com esse cenário?

Até agora foi muito positivo, todos os comentários muito positivos – até quando tive momentos mais ou menos no ano passado, mesmo depois do [Felipe] Massa anunciar sua aposentadoria. Bati em Macau [na F3], em Jerez não fui tão bem... Mesmo assim os comentários foram superpositivos. Claro que a minha segunda metade de temporada no ano passado foi muito boa, então ainda não passei por um momento ruim – e espero que eu nem passe. Mas, até agora, não senti pressão. Muita gente me deixa comentários positivos, e talvez uma ou duas deixaram comentários negativos, mas não me afeta. De todas as formas, acho que vou saber lidar com isso muito bem. Não sinto pressão e isso não me atrapalha – pelo contrário, acho muito legal ter essa oportunidade de representar o meu país, que tem um histórico fortíssimo no automobilismo, e ainda com o frio na barriga de ser o único neste degrau da F2. Isso é uma honra, não uma pressão. Todo mundo queria fazer o que estou fazendo. Todo mundo. É um sonho, então tenho que curtir e fazer o meu melhor.  

Winner Sergio Sette Camara, MP Motorsport
Sette Câmara venceu a segunda etapa da Bélgica em 2017

Photo by: FIA Formula 2

Além de se concentrar na F2, um piloto também precisa começar a se mexer nos bastidores para iniciar conversas com a F1. Isso é algo que já está em seu cronograma?

É muito importante estar preparado para o sucesso também, e estamos fazendo isso. Não sou eu que estou fazendo, mas sim o pessoal que trabalha comigo. Estamos olhando isso, sim. Temos que estar preparados para caso tudo dê errado, mas também para se tudo der certo! A última coisa que a gente quer é ser campeão de surpresa, ou chegar no top 3 de surpresa, ter uma chance de ir para a F1, mas não conseguir entrar por uma coisa boba, por não estar ali, caminhando no paddock, conversando aqui e ali. 

Ser o único brasileiro na principal categoria de base da F1 afetou em sua busca por patrocínios? Você sentiu alguma diferença?

Não, não, de forma alguma. Na verdade, se eu senti alguma diferença, foi positiva. É claro que isso também foi afetado pelos meus resultados na segunda metade do ano passado, que foram positivos e que ajudaram a fazer a captação para este ano. Mas o ano passado foi muito mais duro para conseguir qualquer tipo de apoio. As empresas brasileiras ajudaram muito – praticamente todos os meus patrocínios são via Lei do Incentivo ao Esporte, e não seria possível estar correndo se não fosse por isso. 

Para terminar, existe mais algum plano para 2018 além da F2? Você competiu em Macau no ano passado com a F3. Pretende repetir algo do tipo?

Não sei, depende. Eu nunca pensei que faria Macau no ano passado – apareceu a oportunidade, a equipe me chamou e eu fui. É legal para caramba correr, me chamaram e eu vou! Mas espero que não, porque a tendência é que, se eu for bem na F2, eu fique mais encaminhado para ir na direção da F1, e aí talvez não seja recomendado fazer esse tipo de corrida, porque não teria sentido. Mas o mundo dá tanta volta tão rápido... Então não sei. Mas, se tudo der certo, acredito que não [vai repetir outras corridas fora da F2]. O meu programa é correr de F2 neste ano, fazer o que estou fazendo bem feito. Correr bem e tomar o próximo passo na minha carreira – a direção que eu tomar não vai depender só de mim, mas quero fazer uma F2 boa, focar no campeonato, não pensar em outras corridas. 

Mas tenho que manter a minha mente aberta. O automobilismo é um esporte em que há tão poucas oportunidades que, às vezes, uma oportunidade um pouco diferente pode ser uma jogada muito inteligente. Nessa idade, tenho que estar bem atento: de 18 a 22 anos, é uma idade em que todos os pilotos devem estar bem atentos porque, na hora do “vamos ver”, que é a hora que você define se vai se profissionalizar ou não, é preciso acelerar dentro da pista, mas também tomar as decisões certas fora delas. E é isso que eu vou procurar fazer. 

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