ANÁLISE: O que as categorias de moto devem fazer por um futuro mais seguro após tragédias de 2021?
Mortes de Jason Dupasquier, Hugo Millan e Dean Berta Viñales ao longo de quatro meses reacenderam discussões sobre mudanças em categorias juniores
O mundo do esporte a motor segue em luto pela perda de Dean Berta Viñales, morto após um acidente envolvendo múltiplos pilotos na etapa da World Supersport 300, categoria de apoio do Mundial de Superbike, em Jerez no último final de semana. Sendo o terceiro adolescente a morrer em categorias de bate da motovelocidade apenas neste ano, os pedidos por mudanças pela segurança dos pilotos ganharam ainda mais força.
É estranho o quão rápido a frase "eles morreram fazendo o que amam" perde conforto. A morte é um risco inescapável no esporte a motor. É um espectro que, felizmente, não é tão grande quanto no passado, já que seguimos avançando pela segurança dos pilotos, tornando o esporte bem mais seguro. Mas ele segue onipresente.
Durante a primeira corrida do fim de semana do World Supersport 300, Viñales, que é primo do piloto da MotoGP Maverick Viñales, morreu aos 15 anos de idade após se envolver em um acidente com múltiplos pilotos.
Em julho, o piloto espanhol Hugo Millan também morreu em um acidente durante uma prova da European Talent Cup em Aragón. Ele tinha apenas 14 anos. E menos de um mês antes, o suíço de 19 anos Jason Dupasquier perdeu sua vida após um acidente assustador durante a etapa de Mugello da Moto3.
A comunidade da motovelocidade ficou sem chão em 2021. Mas esses acidentes infelizmente estão se tornando frequente demais.
Em 2019, o piloto da Asia Talent Cup, Afridza Munandar, de 20 anos, também morreu durante uma corrida no mesmo final de semana da MotoGP na Malásia, enquanto em 2018 o mesmo aconteceu com Andreas Pérez, de 14 anos, em uma prova do Europeu de Moto3.
Após o acidente de Millan, a narrativa começou a se modificar, questionando se é possível permitir que pilotos tão jovens possam correr. E após a tragédia do último final de semana em Jerez, os pedidos apenas aumentaram.
Bike of Dean Berta Vinales, Vinales Racing Team
Photo by: Gold and Goose / Motorsport Images
Correr é perigoso. É um fato que ninguém está negando, e não há quem não aceite isso. Mas a comunidade das corridas de moto como um todo também precisa aceitar que é preciso traçar um limite quando são crianças que representam duas das três mortes em campeonatos internacionais durante 2021.
Imediatamente após o acidente de Viñales, a própria natureza das competições juniores a nível internacional passou a ser questionada. A idade mínima para competir na World Supersport 300 é de 15 anos. No Mundial Junior de Moto3, 14, enquanto na Moto3 é 16. As motos são máquinas que correm a 225km/h e os números no grid são gigantescos. Na etapa do WSS300 em Jerez, haviam 42 pilotos!
"Para mim, essa classe é a mais perigosa de todas. Eu não gosto disso, não assisto e fico assustado quando tenho que assistir", disse o ex-piloto da MotoGP Loris Baz sobre a WSS300. "Essas motos são pesadas demais e não têm potência suficiente, então você não consegue fazer a diferença".
"Vou dizer a vocês qual é a diferença: a pilotagem é muito próxima. Tudo é tão nivelado que não permite nenhuma folga. Isso cria ótimas corridas, mas quando você tem crianças de 15 anos, e 40 delas com a mesma moto a menos de um segundo uns dos outros, qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento" - Scott Redding
"Eu acho que é menos perigoso pilotar uma 600cc [moto de supersport] aos 13 anos do que correr com uma de 300 aos 30. Se você não consegue fazer a diferença na pilotagem, você tem um grande grupo e tem que disputar".
Baz, que foi campeão europeu aos 15 anos, faz um ponto importante sobre as limitações das máquinas na WSS300, e é algo que, no final das contas, se estende para a Moto3. Regularmente, esse tipo de corrida traz grupos massivos de pilotos lutando por posições, às vezes chegando a 20 ou mais motos iguais no pelotão da frente. O vácuo é uma parte vital de ir rápido com essas motos devido à sua falta de potência e regulamento bastante rígido, com o objetivo de tornar as máquinas o mais similares possível.
"O problema é que estamos tendo cada vez mais mortes mesmo com um esporte mais seguro", disse o piloto da Ducati no Mundial de Superbike Scott Redding. "Então é preciso pensar o que mudou em comparação há 10 ou 15 anos. E eu te digo o que é diferente: as pilotagens são muito próximas. Tudo é tão nivelado que não permite nenhuma folga".
"De vez em quando, isso é ruim nas Superbikes, e isso acontece em todas as classes, porque cria grandes corridas. Mas quando você tem crianças de 15 anos, 40 delas, com a mesma moto, a menos de um segundo umas das outras, tudo pode acontecer a qualquer momento".
Romano Fenati, Max Racing Team race start
Photo by: Gold and Goose / Motorsport Images
Redding sabe muito bem sobre os perigos de corridas muito próximas. Em 2010, ele estava envolvido no acidente da Moto2 em Misano que terminou com a morte de Shoya Tomizawa, algo que ele chamou no último final de semana como "marcante".
Quando um piloto cai na frente do outro, é um incidente no mundo das motos que simplesmente não é possível evitar. Não importa o quão avançados os equipamentos de segurança sejam, o que são, no mais alto nível. O que o piloto tem em mãos só consegue aguentar até um certo limite. Infelizmente, esse foi o caso em todas as mortes mencionadas no texto.
Mas isso está se tornando algo quase endêmico em categorias estilo Moto3, principalmente porque é muito mais complicado para um grupo grande de pilotos reagir a tempo para um incidente, porque dificilmente eles conseguirão ver, já que estão no vácuo de outro.
A própria natureza da classe, com o vácuo sendo fundamental nos tempos de volta, aumenta o problema. No Mundial de Moto3, a classe que acompanha a MotoGP, a direção de prova tentou muito proibir que os pilotos seguissem uns aos outros na classificação em busca do vácuo. Frequentemente, os pilotos acabam se atrapalhando e terminam com tempo suficiente para apenas uma volta rápida, aumentando ainda mais os riscos. O incidente de Dupasquier aconteceu enquanto ele, junto com outros pilotos, estavam dando o seu melhor nos momentos finais da classificação.
Muitos argumentam que categorias de base deveria receber máquinas ainda mais potentes, para que o ônus fique mais com o estilo de pilotagem individual. Na Supersport 600, Moto2, ou até mesmo MotoGP / Mundial de Superbike, não é nada comum vermos grupos de 10 ou mais pilotos lutando por posição. E a realidade é que, acidentes fatais nas principais classes de competições internacionais são bem mais raras, e isso apesar do panorama competitivo da MotoGP e do WSBK mudando substancialmente nos últimos anos.
Há um problema apontando no horizonte, porém. Valentino Rossi vem falando muito sobre isso nos últimos anos. A lenda da MotoGP sente que a natureza competitiva da Moto3 está levando a pilotagens bem mais agressivas dos pilotos que avançam para as classes principais. E isso não pode ser tolerado na MotoGP e no WSBK.
Mas como mudar isso? Reduzir os tamanhos dos grids nas categorias de acesso é um pedido que muitos vêm fazendo em meio às repercussões das fatalidades. Regulamentos mais estritos e penalidades mais pesadas para dissuadir comportamentos ruins também são sugestões que surgiram.
Darryn Binder, Petronas Sprinta Racing
Photo by: Gold and Goose / Motorsport Images
A Dorna Sports, dona da MotoGP, se recusou a comentar sobre os debates que surgiram nos últimos dias após questionamento do Motorsport.com, mas um grupo de trabalho foi montado dentro da organização nas últimas semanas para analisar todos seus campeonatos e discutir opções para melhorar a segurança. Nestas discussões, um dos tópicos que deve ser analisado é o possível aumento na idade mínima para as categorias.
É um fato do esporte a motor moderno que os competidores estão ficando cada vez mais jovens, e estão começando em categorias internacionais cada vez mais cedo com o passar das décadas. O fato de que dois jovens de menos de 16 anos tenham morrido neste ano leva a uma resposta muito negativa do público amplo, porque são essas histórias que os veículos acabam noticiando. A realidade, é que também não tem como defender uma situação do tipo.
Redding acredita que os acidentes fatais recentes "não têm nada a ver com idade", e talvez ele esteja certo. Mas 15 anos não é o momento para você perder sua vida correndo, porque Dean Berta Viñales não teve a chance de realmente viver a sua.
No Reino Unido, você não pode obter uma habilitação com menos de 17. A idade mínima para beber é 18 e você sequer pode morar sozinho antes disso também. Essas restrições existem para tentar proteger quem não é adulto. Então aumentar as restrições de idade nas corridas seria algo diferente?
O mundo parece acreditar que o talento de um piloto está ligado à sua idade. Nós fomos surpreendidos neste ano com a estreia de Pedro Acosta na Moto3 com apenas 16 anos. Ele deve estrear na MotoGP com a KTM sem nem ter 20 anos, já que ele assinou um acordo com a marca para estrear em 2024.
Mas não é a idade de Acosta que o torna talentoso. Mick Doohan estreou no Mundial de Motovelocidade apenas com 24 anos. Ele conquistou cinco títulos entre 1994 e 1998 e, sem dúvidas, teria faturado mais, se não fosse uma lesão em 1999 que encurtou sua carreira.
Redding acredita que os acidentes fatais recentes "não tenham nada a ver com a idade", e talvez ele esteja certo. Mas 15 anos não é uma idade para você perder sua vida correndo, porque Dean Berta Viñales não teve a chance de realmente viver a sua. Talvez correr seja o que ele amasse, mas o mundo ainda é muito novo, com muitas coisas a serem descobertas quando você tem essa idade.
Esses acidentes só devem parar com mudanças fundamentais na natureza das categorias juniores internacionais de corrida, seja com as máquinas atuais, redução no tamanho dos grids. Talvez colocar uma barreira extra, aumentando levemente a idade mínima, talvez para 17, não seria algo tão ruim.
Dean Berta Vinales
Photo by: Dorna
O incidente de Viñales levou a uma manifestação do piloto do WSS Michel Fabrizio, que anunciou que largaria das corridas como forma de protesto. Ele destacou os perigos das categorias juniores, mas sente também que o que outros pilotos fizeram nas pistas no passado, falando diretamente sobre Marc Márquez, também têm seu papel nessas mortes.
É uma acusação bem injusta. O comportamento na pista não pode ser simplesmente atribuído a como outros pilotos fizeram no passado. Certamente, esses momentos levaram a mudanças nas regras. E é para isso que os responsáveis estão aí, para analisar ao fim de cada temporada, levando a mudanças para os anos seguintes.
Redding também levantou um ponto que é pertinente. Nos casos de acidentes sérios ou fatais, as respostas comuns tendem a seguir um padrão similar.
"É difícil para o esporte e as pessoas dizem, 'ah, você sabe o que pode acontecer', mas isso é besteira. Não pensamos sobre isso. Se pensássemos que existe uma chance de nós morrermos a cada vez que subirmos em uma moto, nunca faríamos isso".
Essa tendência de ignorar a morte no esporte a motor é, infelizmente, alimentada pela masculinidade tóxica, que tradicionalmente pensa nos pilotos como "gladiadores". Esse argumento esteve muito presente em 2018, quando a Fórmula 1 introduziu o halo nos carros.
Desde então, o halo já provou seu valor, salvando diversos pilotos. O esporte a motor deve ser perigoso porque isso o torna único. Mas não é um esporte sanguinário, e esses que estão competindo são seres humanos. Ninguém entra na pista querendo morrer. E pensar que isso é algo inevitável que as pessoas simplesmente deveriam aceitar é um absurdo.
O Mundial de Superbike sofreu críticas no último domingo que anunciou que daria continuidade à etapa de Jerez. A família de Viñales quem deu a bênção para que o espetáculo seguisse adiante, enquanto todas as classes tiveram reuniões separadas com Gregorio Lavilla, chefe do WSBK, para discutir o assunto. Apenas Lavilla e os pilotos participaram das discussões.
Dorna, para seu crédito, lidou com a situação delicadamente, e está tomando uma abordagem mais proativa para seguir adiante em meio à situação que se encontrou novamente no último final de semana. Felizmente, também está debatendo como que o campeonato pode proteger a saúde mental dos pilotos.
Após o último final de semana, fica claro que as coisas não podem seguir como estão, porque não há mais justificativas para isso. Mas as fundações para o progresso estão apenas começando a serem colocadas...
Dean Berta Vinales, Vinales Racing Team
Photo by: Gold and Goose / Motorsport Images
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