Entrevista

Lorenzo: "Na Yamaha, eu me sentia como um funcionário"

Jorge Lorenzo começa oficialmente no próximo domingo, no GP do Catar, a história com a Ducati; o espanhol concedeu uma entrevista exclusiva para o Motorsport.com em que aborda a pré-temporada e as expectativas para 2017

Jorge Lorenzo, Ducati Team
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Motorsport.com: O quanto você se sente melhor em cima da Ducati desde o primeiro teste com a moto, em Valência no ano passado?

Jorge Lorenzo: Em Valência muitas coisas me ajudaram - especialmente as asas. Eu havia acabado de vencer a última corrida da temporada, com a Yamaha. Estava em boa forma, os pneus macios da Michelin me davam confiança e o traçado não exige muito nas freadas, então tudo correu bem.

Entretanto, sofri demais em Sepang, especialmente no primeiro dia. Aquilo me deixou chocado. Então entendi que deveria pilotar a Ducati de modo diferente da Yamaha, algo que eu não esperava. Quando fui para a Austrália, comecei a pilotar novamente com o estilo que utilizava na Yamaha.

Todos da Ducati sofreram em Phillip Island. Mas se andássemos em Sepang novamente em vez de ir para a Austrália, teríamos ido melhor. No Catar, as coisas melhoraram bastante, é uma boa pista para nós.

M: Neste momento, você acredita que precisa de mais tempo na Ducati ou a maior parte do trabalho agora está nas mãos dos engenheiros?

JL: Eu não esperava precisar de muito tempo para me adaptar à Ducati. Pensava que meu estilo de aliviar o acelerador de maneira suave e progressiva enquanto freio faria o trabalho. Imaginei que perderia um pouco de velocidade nas curvas, mas recuperaria nas retas.

O que vi era totalmente diferente. Nas freadas, no contorno das curvas e como sair delas. Estamos mudando minha posição na moto, ainda não me sinto confortável na parte ergonômica.

Os botões nas manoplas, por exemplo, são muito diferentes e ainda estou me adaptando a eles. Será um longo processo, mais do que eu esperava, mas vou melhorar.

M: O processo de trabalho da Ducati é muito diferente do da Yamaha?

JL: Apesar de ter o sangue quente italiano, Gigi (Dall'Igna, diretor técnico da Ducati) é frio, metódico, um perfeccionista. Ele é uma mistura de alemão, japonês e italiano. Gigi possui um método firme e creio que a Ducati mudou bastante desde que ele chegou.

A principal diferença em relação à Yamaha é que Gigi está em um nível diferente dos demais engenheiros, mas você não consegue ver isso. Ele está completamente integrado ao grupo. Quando o piloto chega para passar as impressões, ele está ali junto aos demais para ouvir.

Na Yamaha, os engenheiros em posições mais altas não tinham muito contato com o trabalho na garagem. Dall'Igna é uma pessoa mais próxima e isso ajuda na velocidade de solução dos problemas.

M: Com a pré-temporada chegando ao fim, a Ducati tinha muitos engenheiros na garagem, acompanhando os trabalhos.

JL: Isso era algo que gostaria de ter mudado na Yamaha. Eu via a garagem de Marc Márquez cheia de engenheiros. Pedi o mesmo, mas nunca aconteceu. Na Ducati, eles me tratam com certa dose de admiração. Na Yamaha, eu me sentia como um funcionário qualquer.

Eu poderia até ser parte importante da estrutura, claro. Mas na Ducati eles me respeitam e admiram bastante. Eles sabem que me contrataram para desenvolver uma moto melhor e dar um passo à frente em termos de performance.

M: Como o staff da Ducati reagiu quando você disse que será praticamente impossível brigar pelo título neste ano?

JL: Neste sentido, é como no futebol. O Barcelona perdeu o primeiro jogo para o Paris Saint-Germain por 4 a 0 no primeiro jogo das oitavas de final da Liga dos Campeões, mas na volta venceu por 6 a 1. O mesmo pode acontecer nas corridas de moto. Em 2017 as regras mudaram, as asas foram banidas, então Honda e Yamaha melhroaram um pouco e o grid muda completamente.

A Ducati venceu na Áustria, uma pista favorável à moto, mas em Sepang venceu na chuva. As circunstâncias mudam e outras coisas mudam junto. Ok, as asas foram banidas, então precisamos encontrar um jeito de fazer a moto render bem sem elas. Nosso objetivo é melhorar a ponto de sermos competitivos em todas as pistas e vencer o máximo de corridas que pudermos.

M: As realidades da Ducati e de Lorenzo são diferentes em algum ponto?

JL: A Ducati me contratou para conquistar o título, mas não disse quando. Muitos pensavam que seria apenas pilotar e vencer, mas é mais complexo do que isso. Você pode vencer no Catar e conseguir um bom resultado na Argentina, colocando-se com chance de brigar pelo campeonato.

Entretanto, sem as asas e com Márquez e Maverick Viñales tão fortes, não será tão simples, precisamos melhorar nossa moto mais do que esperávamos.

M: A campanha de Márquez, que foi campeão no ano passado sem ter a melhor moto no início da temporada, serve de inspiração para você?

JL: Márquez foi muito bem, pois até a metade da temporada a moto dele estava atrás em todas as pistas. Ele lutou contra uma moto muito equilibrada, a Yamaha, e contra dois pilotos que não caem muito, Valentino Rossi e eu. Na verdade, a Michelin decidiu mudar os pneus no GP da Argentina, o que nos prejudicou.

Agora, os pneus da Michelin se adaptam à Honda, Yamaha e Ducati, nenhum destes está atrás. A Honda tem uma moto completa, eles melhoraram no manejo e na suavidade, assim como a Yamaha progrediu bastante com Viñales.

Se alguém tem problemas, mas todos também sofrem, como aconteceu com Márquez ano passado, você ainda tem uma chance. Se não tivessem mudado os pneus na Argentina, creio que Márquez não teria sido campeão.

M: Os pneus serão tão decisivos em 2017 quanto foram na temporada passada?

JL: Entendo que a Michelin tenha encontrado dificuldades após tantos anos fora do campeonato e ao encontrar motos muito mais potentes. Nunca disse que eles não estavam se esforçando, apenas que eles precisavam encontrar um jeito de melhorar os compostos.

Estou feliz com o trabalho deles, especialmente no pneu dianteiro - no começo, tivemos muitas quedas, algumas sem explicação alguma.

M: O que você pensa sobre o nível apresentado por Viñales na pré-temporada?

JL: Não podemos nos esquecer de que Viñales costumava disputar vitórias contra Márquez quando eles eram crianças. Marc é um ou dois anos mais velhos e o caminho dele talvez tenha sido facilidado pelo apoio da Honda e da Repsol.

A evolução de Viñales foi um pouco mais lenta. Mas não se esqueça de que ele chegou à MotoGP na Suzuki, não é a mesma coisa que estrear na melhor moto do grid, que era a Honda de 2013. No entanto, em termos de talento puro, Marc e Maverick estão praticamente no mesmo nível.

Ambos são pilotos ferozes, mas com estilos diferentes. Em termos de talento, velocidade e motivação, creio que estamos vendo a chegada de um novo Márquez. Não sou o único a pensar desta forma, muitos pensam o mesmo.

M: Márquez admitiu há um ano, quando a Honda não parecia tão competitiva, que ele chegou a pensar que havia se esquecido de como ser veloz. Aconteceu o mesmo com você?

JL: É algo que todos os pilotos sentem em algum momento e em alguns casos eles estão certos (risos). Alguns dizem com ironia que passaram por isso, mas na verdade jamais voltaram ao mesmo nível.

Muitas vezes ter dúvidas sobre você mesmo não vem apenas pela lentidão nos tempos de voltas, mas também por quando você força e não melhora. Então você pensa que o problema é você. Isso me atrapalhou bastante em algumas pré-temporadas.

M: As dificuldades em pista molhada foram resolvidas com os novos pneus?

JL: Venci corridas após superar Casey Stoner e Dani Pedrosa na mesma curva. Você precisa de muita confiança para fazer isso. Em outras corridas, como o GP da Holanda do ano passado, eu terminei em último.

Quando o piloto não se sente confiante, é difícil ser veloz. Eu não me sentia confiante com o pneu de chuva dianteiro da Michelin e a Yamaha também não me ajudava muito neste sentido. Uma das vantagens da Ducati aparece justamente em pista molhada, então espero que isso me ajude a voltar a ser tão competitivo quanto no passado em tais condições.

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