Stock Car 40 anos: Primeiro pole relembra autódromos cheios, praia e companheirismo
Há exatos 40 anos, a maior categoria do automobilismo brasileiros conhecia seu primeiro pole position. Em entrevista exclusiva ao Motorsport.com Brasil, João Carlos 'Capeta' Palhares recorda episódios do campeonato brasileiro de turismo
No ano de 2019, a Stock Car comemora quatro décadas de existência. Em 22 de abril de 1979, no circuito de Tarumã, em Viamão (RS), foi disputada a primeira rodada dupla da história da categoria máxima do automobilismo nacional. A bordo de um Opala 250 S, Affonso Giaffone ganhou as duas corridas. Apesar das vitórias, ele não se classificou em primeiro no sábado anterior.
No dia 21 de abril, há exatos 40 anos, João Carlos Palhares (na foto acima, à direita, ao lado de Raul Boesel) teve a honra de cravar a pole position inaugural da Stock Car. Mais conhecido pelo apelido de infância de 'Capeta', o ex-piloto de 67 anos disputou 51 corridas pelo campeonato ao longo de sete temporadas (1979 a 1983, 1987 e 1988). O carioca subiu ao pódio cinco vezes e venceu uma prova, em sua terra natal, em 1980. Em entrevista exclusiva ao Motorsport.com Brasil, ele relembra os primórdios da categoria:
Primeira pole position da história da Stock Car
Largada da primeira corrida da Stock Car, com Capeta à esquerda e Affonso Giaffone à direita
Photo by: Acervo pessoal
Com o tempo de 1min23s74 e velocidade média de 129,658 km/h, Capeta garantiu o lugar mais privilegiado do grid para a prova que marcou a estreia do campeonato brasileiro de carros de turismo. A bordo do Opala #48, o piloto terminaria a prova em segundo.
Ele recorda detalhes daquele histórico fim de semana: "Na época, não tinha esse negócio de relação de marcha, então o que a gente alterava muito era a configuração entre diferencial curto e diferencial longo. No sábado, eu usei o curto. Aí o Giaffone, no dia seguinte, trocou o longo pelo curto, e acabou ganhando as provas, que duravam em torno de 40 minutos. Ele conhecia muito de mecânica e teve essa sacada".
Ambiente da categoria nos primórdios
Alencar Jr. foi quem conquistou a 4ª temporada da Stock Car em 1982
Photo by: Divulgacao
Se o carro era um dificultador, não se pode dizer o mesmo do ambiente da categoria nos seus primeiros anos. Como lembra Capeta, o clima era muito amigável: "Naquela época, a gente tinha mais interação, os pilotos batiam papo, era como se fosse uma grande família. Todos se davam com todos, a gente ia para o box de um, ia para o box de outro... Ficava todo mundo junto e era muito divertido. Antigamente, era muito mais agradável".
Como exemplo, o carioca menciona a primeira viagem internacional da história da Stock Car, ocorrida em 1982: "Nós fomos uma vez fazer duas corridas em Portugal, em Estoril. Foi divertidíssimo. Ficamos todos no mesmo hotel e fizemos uma bagunça danada. Todo mundo se dava bem e era muito divertido. Tenho muitas saudades daquela época".
Comparação com os dias atuais
Carros se preparam para o treino classificatório
Photo by: Duda Bairros
Segundo Capeta, a categoria está bem distinta do que era no passado. Ele explica: "Era uma coisa diferente de hoje em dia. Funcionava de uma maneira diferente. Hoje se tornou uma categoria muito profissional. Chegou num nível de profissionalismo que não tem um contato próximo entre as pessoas".
"Principalmente essa amizade que tinha entre as equipes. O Affonso às vezes dava uma dica pra gente, o Reinaldo Campello me emprestou carburador... Naquela época, você tinha essas coisas. Era um companheirismo grande. Você tinha rivalidade na pista, mas todos se davam muito bem. Era outro tempo", compara o industrial.
"Hoje em dia, com o dinheiro que rola, não dá pra ter essa amizade toda. Antigamente os patrocínios e os custos eram pequenos, então era mais amador. Agora está tudo muito profissionalizado e não dá pra ter esse companheirismo todo. Com o dinheiro envolvido, você não pode passar informação".
Eras diferentes, carros diferentes
Na 1ª temporada da Stock Car em 1979, Paulo Gomes foi campeão com um Opala Cupê de motor Chevrolet 6 cilindros
Photo by: Divulgacao
Atualmente, a Stock Car tem como carro único o Chevrolet Cruze (tubular). Na época de Capeta, o possante utilizado era o Opala. O carioca relembra a dificuldade de pilotar a barca: "Ele corria muito e tinha um motor forte, só que a gente andava de pneu Cinturato, que era muito duro. Até não tinha um desgaste muito grande e aguentava o tranco bem, mas nós praticamente não tínhamos frenagem".
"O freio era muito duro, uma coisa horrorosa. Você chegava rápido no final da reta, mas para parar era uma encrenca. E se você torrasse um pouquinho o freio antes de acabar as pastilhas, o carro tremia todo. Era complicado. E a gente chegava a uns 200 e tantos quilômetros no final da reta. Você normalmente acabava as corridas com o freio bem prejudicado. Não dava para poupar muito".
Daniel Serra no Velopark
Photo by: Duda Bairros
"Os carros de hoje em dia são praticamente feitos para a Stock. Com toda certeza, fazem 200 vezes mais curva, têm um freio excepcional e um câmbio bom. Isso dá uma diferença danada, porque naquela época era um carro praticamente de rua. Tirava estofamento, forrações de porta e outras coisas, e era isso. Não tinha muito o que mexer. Mola, amortecedores e mais nada".
Com tantas limitações, os pilotos eram muito exigidos: "Não que hoje em dia não dependa muito de quem está atrás do volante, mas não há dúvida de que naquela época a gente sofria mais. Você acabava a corrida bem detonado. O carro era duro, a direção era dura, o freio era duro… Era uma corrida bem desgastante".
Circuitos e público
Paulo Gomes dá a bandeirada a Daniel Serra no Velopark
Photo by: Duda Bairros
Os carros mudaram bastante, mas a audiência e as pistas lembram os primórdios. Capeta compara: "Os circuitos eram basicamente os mesmos. Tarumã, Guaporé, Interlagos, Rio de Janeiro, Goiânia, Brasília… Ia muita gente. Os autódromos que davam mais público eram Goiânia e Tarumã. Goiânia enchia muito. Nos gramados do retão, ficava apinhado de gente, muita mesmo. Já Interlagos não aparentava ter muitos espectadores na arquibancada".
"Brasília um pouco menos, mas naquela época tinha os 1000 km e ficava bem cheio. Eu corria em dupla com o Paulo Gomes. Ganhamos dois anos seguidos. No terceiro, em 1982, a gente tava na frente, mas o semi-eixo acabou quebrando. Nosso carro oficial ainda não tinha chegado de Portugal. Foi logo depois da corrida de Estoril da Stock. Tivemos que montar um carro novo para a corrida dos 1000 km e aí aconteceu o problema".
Rio de Janeiro: praia versus automobilismo
Opala #48 de Capeta
Photo by: Acervo pessoal
Carioca, vencedor da Stock no Rio e pioneiro do esporte a motor no Brasil, Capeta tem autoridade para falar sobre a relação da cidade com o automobilismo. E ele tem uma boa tese para explicar porquê o antigo autódromo de Jacarepaguá não era o favorito do público: "Pouquíssima gente vai pro circuito no Rio. É um lugar que tem um adversário forte, que é a praia, então era difícil nesse sentido".
"É muito difícil competir com a praia no Rio de Janeiro. Os cariocas são acostumados desde pequenos. E não tem custo nenhum, a não ser o mate, o sorvete ou algo assim. As pessoas se acostumam e ninguém sai da praia num dia de sol para assistir corrida num autódromo. A praia é um divertimento barato. Para ir pro autódromo, você tinha que ter carro, comprar a entrada...".
O Autódromo de Jacarepaguá foi demolido para construções da Olimpíada de 2016
Photo by: XPB Images
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